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Após 41 anos, filme censurado pela ditadura ganha os cinemas brasileiros

2025-03-28

Autor: Maria

Em 1983, no auge da 7ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a ousadia dos cineastas José Antonio Garcia e Ícaro Martins trouxe ao público uma comédia erótica que abordava o então recém-legalizado futebol feminino. Para choque de muitos, o filme foi prontamente censurado pela ditadura civil-militar, que não tolerou o que considerava uma temática contrária à moral e aos bons costumes. Agora, 41 anos depois, "Onda Nova" finalmente estreia nos cinemas, remasterizado em 4K e pronto para uma nova geração.

Com um elenco que inclui Carla Camurati e Cristina Mutarelli, o longa-metragem gira em torno do Gayvotas Futebol Clube, um time de futebol feminino repleto de histórias de amor, desafios e conquistas. O filme apresenta personagens LGBTQIAP+ e cenas de sexo e nudez, além de participações de ícones como Caetano Veloso, Regina Casé e Casagrande, famoso jogador do Corinthians na época. Para os olhos da censura, a obra foi considerada ousada demais, desafiando as normas sociais e culturais do período.

A censura se manifestou em sua forma mais severa. Documentos acessados pela revista Fórum revelaram que a análise do filme resultou em pareceres que descreviam a obra como "uma correnteza traidora", cheia de apologia a comportamentos considerados reprováveis pela moral da época. Ícaro Martins recorda a surpresa diante da proibição e explica que, embora a censura fosse rigorosa e institucional, o processo era muitas vezes opaco e confuso.

“A Censura era um verdadeiro labirinto burocrático. Um filme não passava sob a análise de uma só pessoa, mas de um coletivo”, explicou Martins, comentando sobre as diversas classificações que "Onda Nova" recebeu, incluindo uma que pedia a proibição total da exibição. O filme acabou nas mãos de Solange Hernandes, conhecida como a "dama da tesoura" pela sua abordagem radical. Após assistir ao filme, ela determinou que a obra era "completamente amoral" e recomendou sua interceptação.

Martins fez uma comparação entre a censura da época e as restrições que o setor audiovisual sofreu durante o governo Bolsonaro. Ele mencionou que a censura contemporânea era menos visível, mas igualmente prejudicial, permitindo que diversos projetos ficassem paralisados. "De 2018 a 2022, muitos filmes não avançaram devido a uma forma de censura informal. Isso é tão ruim quanto a censura formal do passado", afirmou.

Embora a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) não exista mais, a possibilidade de um filme como "Onda Nova" ser produzido hoje é questionável, especialmente em um tempo de conservadorismo crescente em relação à sexualidade nas artes. A vitória de "Anora" no Oscar trouxe à tona debates sobre o moralismo no cinema, algo que Martins acredita que vai além das artes, permeando a sociedade como um todo.

Helena Garcia, filha de José Antonio Garcia, foi responsável pela nova arte promocional do filme, que, por razões de censura, não pode reproduzir a ousadia do cartaz original, que mostrava a protagonista em uma piscina. "Hoje em dia já não é aceitável mostrar um seio exposto na internet. O que condena essa imagem reflete um conservadorismo crescente na nossa sociedade", lamentou.

A estreia de "Onda Nova" ocorre em um contexto especial, coincidente com a vitória de um filme que critica a ditadura civil-militar, como "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles. Zita Garcia, irmã de Helena, vê isso como uma oportunidade de reavivar discussões sobre um passado sombrio. "Estamos revivendo um momento de repressão que não podemos esquecer. É essencial lembrar as dificuldades enfrentadas por artistas que lutaram pela liberdade de expressão", ressalta.

Com sua inédita estreia, "Onda Nova" se mostra inegavelmente relevante, refletindo os mesmos problemas sociais que o Brasil enfrenta hoje. Martins afirma: "Embora a entonação do filme possa ser diferente, é alarmante perceber que os temas continuam atuais. O que era história, agora é urgência". A recepção do público nos festivais tem sido positiva, com Helena observando que o filme celebra a liberdade de uma forma vibrante que atrai os jovens. "É um alívio ver uma obra que traz alegria e leveza em tempos tão sombrios!" conclui.