Calor de 2024 quebra recordes e transforma tragédias climáticas em catástrofes da vida real
2025-01-10
Autor: Carolina
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Megaincêndios florestais, como os que atualmente consomem Hollywood, devastaram regiões da América do Sul, Canadá e Europa. A Amazônia e o Pantanal enfrentaram secas severas, enquanto o Saara experimentou inundações. Cidades na Espanha e no Brasil foram submersas por dilúvios sem precedentes, e furacões nos Estados Unidos atingiram níveis inéditos de força, ceifando vidas de milhares de pessoas, além de impactar gravemente a fauna local.
Em 2024, pela primeira vez na história, a temperatura média global ultrapassou 1,5°C acima da média do período pré-industrial, um limite estabelecido no Acordo de Paris. A média dos anos de 2023 e 2024 chegou a alarmantes 1,54°C.
Embora isso não signifique que tenhamos ultrapassado oficialmente o limite do Acordo de Paris — que requer a observação de anomalias ao longo de pelo menos 20 anos —, isso indica que as temperaturas estão se elevando a níveis nunca antes experimentados pela civilização humana, conforme apontado pelo Copernicus.
— Esperávamos recordes de temperatura, mas a situação é pior do que o previsto. Mesmo com a La Niña prevista para trazer um alívio temporário, a realidade é que o aquecimento global está avançando em uma velocidade alarmante, ameaçando tornar várias partes do planeta inabitáveis — comentou Marcelo Seluchi, coordenador de operações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Ano após ano, 2024 tornou-se um marco preocupante, estabelecendo um período inédito de quase dois anos de aquecimento contínuo, afetando a saúde, a economia e o meio ambiente de forma drástica.
Dados exclusivos fornecidos pelo climatologista José Marengo, do Cemaden, evidenciam que a América Latina e o Caribe estão entre as regiões mais afetadas pelo aumento da temperatura global.
Extremos no Brasil
Enquanto a temperatura média global em 2024 registrou um aumento de 0,72°C em relação ao período de 1991-2020, na América Latina esse aumento chegou a 0,95°C. Embora a diferença possa parecer pequena, ela se traduziu em extremos climáticos, incluindo as gigantescas chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul e a mais severa seca já registrada no Brasil, que resultou nos níveis mais baixos de água nos rios do Pantanal e da Amazônia. O México registrou calor superior a 45°C, causando mortes de animais selvagens. Enquanto isso, na Europa, as mortes devido ao calor ainda estão sendo subnotificadas, conforme destaca Marengo.
Com o aumento para 1,6°C, a temperatura média global atingiu 15,10°C, superando o ano anterior em 0,12°C. Desde julho de 2023, praticamente todos os meses tiveram temperaturas que excederam o limite alarmante de 1,5°C.
— Pense no planeta como um corpo humano. Quando nossa temperatura é de 37°C, estamos saudáveis. Mas se aumenta para 38,6°C, temos febre e nos sentimos mal. A febre da Terra se manifesta em extremos — explica Samantha Burguess, líder de estudos climáticos do Centro Europeu de Previsão do Tempo.
Segundo dados do Copernicus, a última década (2015-2024) foi a mais quente já registrada na história. O desastre climático que estamos vivendo é resultado da combinação de mudanças climáticas induzidas por atividades humanas e eventos de El Niño. Contudo, Burguess ressalta que a contínua emissão de gases estufa tem superado os efeitos positivos de eventos naturais.
Marengo observa que, apesar dos El Niños mais fortes em anos anteriores, como em 1998 e 2016, as temperaturas não alcançaram níveis tão altos quanto os de 2024. Neste ano, as concentrações de dióxido de carbono e metano continuaram a crescer, atingindo níveis recordes, com 422 partes por milhão (ppm) de CO2 e 1.897 partes por bilhão (ppb) de metano. O aumento das emissões, portanto, se manteve em alta, mesmo após o enfraquecimento do El Niño.
Além das atividades humanas, outros fatores naturais, como a diminuição da cobertura de nuvens e o aumento da atividade solar, contribuíram pouco para alterar a temperatura global, acrescenta Burguess. A erupção do vulcão submarino Hunga Tonga-Hunga Haʻapai, em 2022, ainda trouxe um leve esfriamento, mas pouco em comparação com o aquecimento generalizado. Também é relevante notar que os oceanos atingiram temperaturas recordes, com a média da superfície do mar em 2024 chegando a 20,87°C, 0,51°C acima da média anterior a 2020. O Atlântico e o Índico já estavam quentes antes do El Niño e continuaram assim, lançando mais vapor na atmosfera em vez de absorver o calor excessivo.
Em 2024, a quantidade total de vapor d’água na atmosfera alcançou um recorde, 5% acima da média de 1991-2020, apresentando um impacto significativo nas chuvas torrenciais que afetaram muitas regiões.
— Todo esse calor e umidade são uma fórmula para o desastre, como as chuvas torrenciais que presenciamos. Há muita discussão sobre por que os oceanos estão tão quentes, mas a realidade é que o calor do mar se tornou uma fonte de complicações climáticas — explica Regina Rodrigues, especialista em Oceanografia e Clima da Universidade Federal de Santa Catarina.
Os níveis extremos de temperatura e umidade também elevaram o estresse térmico, com aproximadamente 44% da superfície da Terra passando por condições de “estresse térmico forte” a “extremo” em julho de 2024.
Expectativas para 2025
Analistas climáticos sugerem que 2025 também será um ano quente, embora provavelmente menos intenso do que 2024. A recuperação da La Niña fraca no Pacífico Equatorial pode contribuir para uma leve queda nas temperaturas. Contudo, Marengo alerta que ainda é cedo para determinarmos se isso terá efeito duradouro. O aquecimento resultante da ação humana tem prevalecido sobre fenômenos naturais, como El Niño e La Niña. Os climatologistas concordam que a única solução viável para mitigar o aquecimento é reduzir as emissões de gases efeito estufa.