Saúde

Covid Longa: O Impacto Oculto e a Luta de quem Sofre com a Doença

2025-03-19

Autor: Matheus

Quase cinco anos após sua infecção, Letícia, mesmo sem a presença do coronavírus, ainda enfrenta uma batalha diária contra os efeitos devastadores da covid longa. Entre os sintomas que persistem, ela destaca a fadiga crônica, dores musculares e articulares, insônia e lapsos de memória. "Há momentos em que esqueço conversas e experiências importantes. Até mesmo o falecimento da minha avó passou por um período de esquecimento. Minha capacidade de executar tarefas simples, como seguir uma receita de cozinha, também foi comprometida. Me perco facilmente na organização das etapas", desabafa Letícia.

A intensidade desses sintomas varia de acordo com o esforço físico ou mental que ela realiza, e o pior é que a piora pode ocorrer até 48 horas depois de uma atividade leve. "Uma simples caminhada ou uma ida ao supermercado pode me deixar dias de cama, sem forças até para me banhar. Agir para evitar o esforço, embora necessário, é extremamente limitante", explica.

Com um projeto de pesquisa em andamento, Letícia e sua equipe estudam os impactos da covid longa, que vão desde problemas neuropsiquiátricos até as consequências para a saúde reprodutiva e reinfecções. O grupo também colabora com instituições como a Fiocruz. Contudo, mesmo com esses avanços, a falta de reconhecimento sobre a covid longa ainda é um grande desafio. Em 2024, a PNAD Contínua do IBGE identificou que 23% da população brasileira apresenta ou já apresentou sintomas prolongados da doença. Este número tende a ser subestimado, uma vez que muitos não realizam testes e não associam seus sintomas à infecção.

A percepção cultural sobre as consequências de infecções, como a covid, precisa mudar urgentemente. Letícia ressalta que é preciso abandonar a ideia de que "o que não te mata te fortalece" e adotar a visão de que "o que não te mata pode te deixar cronicamente doente". Este novo entendimento é fundamental para melhorar a qualidade de vida de muitos que sofrem em silêncio.

As interações sociais tornaram-se um verdadeiro desafio para Letícia. O que antes eram encontros sociais tranquilos agora exigem planejamento cuidadoso. "Se vou almoçar em casa de amigos, preciso me preparar para descansar antes e depois da visita", conta. Além disso, a falta de compreensão sobre sua condição frequentemente gera estigmas, resultando em isolamento social.

Segundo Letícia, o reconhecimento legal das limitações provocadas pela covid longa é crucial. Sem esse reconhecimento, muitos não têm acesso a proteções legais ou direitos básicos voltados a pessoas com deficiência, o que agrava ainda mais sua situação. Além das questões jurídicas, encontrar profissionais de saúde que realmente escutem e acolham é outro desafio. Letícia constatou que mesmo em sua experiência de tratamento no Canadá e agora no Brasil, a coordenação entre especialistas é praticamente inexistente, resultando em um verdadeiro malabarismo para encontrar atendimento adequado.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) possui uma definição oficial da covid longa, que se baseia em sintomas que surgem ou se agravam após a infecção e persistem por pelo menos três meses. Porém, Letícia menciona que muitas pessoas que não apresentaram sintomas graves também podem desenvolver a condição, e que grupos como mulheres, populações marginalizadas e profissionais que trabalham em condições de maior exposição são mais vulneráveis.

Os impactos no cotidiano são severos. Muitas pessoas afetadas pela covid longa enfrentam a perda de renda, dificuldades para retomar suas rotinas normais e um aumento nas despesas com saúde. Especialmente para aqueles que vivem com dificuldades financeiras, a necessidade de obter cuidados médicos e terapias pode ser um fardo imenso.

Um aspecto importante é que a covid longa não tem um padrão uniforme. Algumas pessoas começam a apresentar sintomas rapidamente, enquanto outras podem levar meses, e a duração dos sintomas varia amplamente. Recentemente, os estudos têm avançado no entendimento das trajetórias da doença, revelando um quadro complexo que é bem documentado na literatura médica.

Por último, Letícia enfatiza a urgência do investimento em pesquisas sobre a covid longa. Embora milhares de pessoas tenham suas vidas impactadas, o financiamento ainda é insuficiente. O Brasil, com seu potencial intelectual, possui cientistas criativos que necessitam de apoio para explorar este assunto. Além disso, há uma grande necessidade por educação em saúde pública, para conscientizar a população sobre os riscos e impactos da covid longa.

"Acredito que a covid longa pode deixar um legado importante na maneira como lidamos com doenças infecciosas. Com tantas pessoas convivendo com essa condição, é hora de repensar como tratamos as consequências das infecções em geral. O enfrentamento da pandemia e suas sequelas nos ensina sobre empatia e integração social, fundamentais para um futuro mais inclusivo", finaliza Letícia.