
Esqueça Marte: nosso futuro está nos oceanos da Terra
2025-03-30
Autor: Fernanda
Alguns milhões de anos atrás, as cianobactérias vieram à tona como as pioneiras na fotossíntese, liberando oxigênio e permitindo a formação das atmosferas que hoje respiramos. Com o passar do tempo, as algas verdes se multiplicaram, seguidas das florestas, até que alcançamos a rica atmosfera com altas concentrações de oxigênio - um produto que, em sua maioria, ainda provém dos oceanos.
Mas os oceanos fazem muito mais do que nos fornecer oxigênio. Eles absorvem 25% de todas as emissões de dióxido de carbono e são responsáveis por armazenar 90% do calor excessivo gerado por essas emissões. Isso tudo contribui para o aquecimento da superfície marinha, mas as partes mais profundas do oceano conseguem manter temperaturas consideravelmente mais frias. Essa dinâmica é fundamental para a regulação térmica do nosso planeta.
Você se lembra da água gelada que misteriosamente apareceu nas praias do Rio de Janeiro durante o Carnaval? Um dia, a temperatura da água estava a 30°C, e de repente, caiu para 8°C na beira da praia. Essa discrepância não foi resultado de vendedores esvaziando cooler de gelo, mas sim uma demonstração do que a tecnologia Otec (Conversão de Energia Térmica Oceânica) pode explorar: a geração de energia limpa a partir da diferença de temperatura entre a água morna na superfície e a água fria em profundezas de 800 a 1.000 metros.
Para que a Otec funcione efetivamente, a diferença de temperatura precisa ser de pelo menos 20°C, um fenômeno que ocorre durante todo o ano em várias regiões tropicais, incluindo nosso litoral, ao norte de Vitória. Podemos imaginar o oceano como uma imensa bateria solar natural: o calor na superfície e o frio nas profundezas.
O prinpício utilizado na Otec é semelhante ao já empregado em termelétricas, onde o calor é gerado a partir da queima de combustíveis fósseis para aquecer água e produzir vapor. Na versão Otec, a diferença de 20°C faz com que a água quente faça a amônia evaporar. Esse vapor, então, aciona uma turbina, gerando eletricidade. Após gerar energia, o vapor de amônia é resfriado pela água fria das profundezas, retorna ao estado líquido e reinicia o ciclo. Este processo é limpo e sustentável, sem emissão de fumaça ou necessidade de exploração mineral.
Se essa ideia parece futurista, saiba que desde a década de 1990, a Otec já está em funcionamento em locais como Havai, Okinawa (Japão), Malásia e Índia — principalmente em ilhas onde o acesso à energia e à água potável é desafiador e caro. Além disso, essa tecnologia pode ser integrada em sistemas de dessalinização, agricultura marinha, criação de peixes e até na produção de alimentos, utilizando a água rica em nutrientes que vem do fundo do mar.
No Brasil, especialmente entre Salvador e Natal, há áreas oceânicas com variações de temperatura e relevo que favorecem a instalação de Otec. Em Fernando de Noronha, por exemplo, essa opção poderia transformar a realidade da ilha, que ainda depende em grande parte de termelétricas a diesel e enfrenta desafios na dessalinização da água.
As ilhas, de fato, representam um ambiente de extrema importância, pois nos oferecem uma perspectiva prática sobre viver com recursos limitados, recuperando o que é descartado e compreendendo a relação de interdependência que temos com a natureza.
Esses ecossistemas funcionam como miniaturas do nosso planeta, e quando temos dificuldade em nos integrar com a natureza, eles nos apresentam uma oportunidade singular. Assim, podemos direcionar nosso olhar para soluções terrestres, ao invés de nos perdermos em sonhos interplanetários que custam bilhões e consomem recursos preciosos da Terra, prometendo apenas ilusões em Marte.