Ciência

Queimadas no Pantanal: Espécie Exclusiva de Cobra em Perigo de Extinção

2024-11-18

Autor: Fernanda

Nos últimos anos, o Pantanal tem enfrentado um aumento alarmante no número de queimadas, especialmente a partir de 2020. Esse fenômeno não apenas resultou na morte de milhões de vertebrados, mas também afetou gravemente o regime hidrológico da região e contribuído para um crescimento nas taxas de doenças respiratórias entre os habitantes locais.

Um estudo recente realizado pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) revela que a intensidade e a frequência das queimadas, agravadas por mudanças climáticas, estão colocando em risco muitas espécies de répteis e anfíbios, sendo as mais vulneráveis as que dependem diretamente de ambientes aquáticos.

A pesquisa identificou 1.708 registros de 45 espécies de répteis e anfíbios nos municípios de Barão de Melgaço e Poconé, em Mato Grosso, e destacou a urgência de implementar políticas ambientais e climáticas eficazes. Entre os animais mais impactados estão as cobras aquáticas e os grandes anfíbios, que mostraram taxas alarmantes de mortalidade durante as expedições de emergência.

Um fato chocante encontrado durante a pesquisa foi a descoberta de diversas carcaças da cobra d'água Helicops boitata, uma espécie exclusiva do Pantanal, que foi registrada apenas em áreas afetadas pelo fogo. A contínua ocorrência de incêndios representa uma ameaça real para essa e outras espécies endêmicas.

"A maior surpresa foi verificar que répteis considerados aquáticos ou fossoriais [que vivem enterrados no solo] estavam morrendo em números significativos. Esses grupos eram vistos como menos vulneráveis, devido à sua capacidade de se enterrar ou de viver associadamente a recursos hídricos", explica Lara Gomes Côrtes, analista ambiental do ICMBio.

Além disso, a H. boitata é semiaquática e ocorre em planícies de inundação, o que a torna ainda mais susceptible a eventos de secas prolongadas e queimadas.

O estudo abrangeu seis expedições entre 2020 e 2023, contemplando períodos de seca e cheia. As metodologias utilizadas incluem monitoramento ativo e contagem de animais mortos em áreas queimadas, evidenciando a urgência de ações diretas para mitigar as consequências das queimadas.

As amostras foram coletadas em áreas tanto de propriedade privada quanto de unidades de conservação, como o Parque Estadual Encontro das Águas. A escassez de dados sobre populações de répteis e anfíbios, antes e depois dos incêndios, agrega desafios às estratégias de conservação.

"O Pantanal carece de diagnósticos mais robustos em relação à fauna local. Dados disponíveis indicam que algumas espécies têm preferências por habitats específicos, mas, em geral, a densidade das populações está intimamente ligada ao regime hidrológico", afirma Leonardo Moreira, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal.

Os dados ressaltam a importância de monitoramentos contínuos que ajudem a entender a resiliência e vulnerabilidade das espécies locais ao fogo, essenciais para o desenvolvimento de estratégias de conservação eficazes.

Em julho deste ano, diferentes entidades civis e de pesquisa se reuniram para solicitar ao governo federal a criação de um programa específico de preservação do Pantanal, frente aos avanços do agronegócio que impactaram gravemente o bioma nos últimos anos. Apesar das promessas, o plano de conservação e redução do desmatamento, que inclui o Pantanal, ainda está em discussão e deve ser anunciado no próximo ano.

"As previsões climáticas indicam que o Pantanal se tornará mais seco e quente, reduzindo ainda mais a disponibilidade de água e intensificando a propagação de queimadas. Embora o fogo tenha um papel histórico no bioma, sua ocorrência natural deve se restringir à transição das estações seca e chuvosa. Atualmente, muitos incêndios acontecem entre julho e setembro, e é urgente repensar o uso do fogo na limpeza de pastagens", conclui Moreira.