STF inova com conciliação e cria polêmica sobre 'não decisão' judicial
2024-12-30
Autor: Carolina
O STF (Supremo Tribunal Federal) tem intensificado sua utilização de métodos de conciliação para solucionar disputas de grande envergadura, que não têm apenas impactos jurídicos, mas também repercussões políticas. Essa crescente preferência por soluções conciliatórias, observada nos últimos anos, é alvo de críticas fervorosas entre especialistas do direito, que questionam os limites dessa abordagem.
A conciliação surge como uma alternativa viável para a resolução de conflitos, visando ajudar as partes a alcançarem um consenso ao invés de submetê-las à rígida espera por uma decisão judicial. Embora a prática não seja nova, o STF tem trabalhado na internalização desta estratégia desde pelo menos 2020, promovendo uma mudança significativa na forma como o tribunal lida com os casos.
Recentemente, em abril de 2023, o ministro Gilmar Mendes iniciou um processo de conciliação voltado para abordar as ações que envolvem o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. O marco propõe que as demarcações devem respeitar as áreas que estavam sob ocupação indígena na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988). No entanto, a corte rejeitou essa interpretação em 2023, mas o Congresso Nacional acabou aprovada uma legislação que reforça essa tese controversa, levando o caso de volta ao STF.
Gilmar Mendes defendeu a criação de uma comissão para discutir o assunto, ressaltando que a controvérsia não pode ser simplesmente resolvida por uma decisão judicial e que o tradicional diálogo institucional entre os Poderes tem se mostrado insatisfatório. Especialistas, no entanto, expressam preocupações sobre a eficácia desse método, com a professora Eloisa Machado, da FGV Direito SP, descrevendo a conciliação como um „descalabro” por permitir que os direitos de gruposminorítários sejam negociados em mesas de discussões desiguais.
O uso da conciliação não se limita ao marco temporal; outras questões, como a revisão dos acordos de leniência da Lava Jato e a transparência das emendas parlamentares, estão sendo tratadas no mesmo formato. O STF já homologou acordos sobre questões de compensações econômicas, mostrando um padrão emergente na adoção de métodos alternativos de resolução de conflitos.
Desde 2015, 46 acordos foram homologados em 106 processos distintos, de acordo com um painel mantido pela corte, que destaca um aumento no uso da conciliação. Autores de uma pesquisa da FGV Direito SP indicaram que, enquanto em alguns contextos a conciliação ajuda a fomentar o debate, em outros ela pode ser vista como uma estratégia para evitar decisões com possíveis repercussões políticas.
Por outro lado, críticos da proposta, como o professor de direito Luiz Fernando Esteves do Insper, afirmam que o STF está se distanciando de seu dever de decidir sobre a constitucionalidade das leis. Ele sugeriu que a corte está abrindo mão de seu poder, opinando que a ideia de uma "não decisão" transforma a dinâmica do tribunal, colocando em risco a integridade do sistema jurídico brasileiro.
Já o advogado Cassio Scarpinella Bueno, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, aplaude os esforços do tribunal em buscar métodos alternativos, considerando-os essenciais para que as partes reconheçam a complexidade das questões debatidas. Para ele, viver em sociedade implica em concessões, o que justifica a busca por consensos.
À medida que o STF segue navegando por esse novo mar de incertezas e negociações, a comunidade jurídica e a sociedade civil permanecem atentas, cientes de que as escolhas feitas pelo tribunal podem ter repercussões significativas para o futuro da justiça e dos direitos no Brasil.