Nação

Mercado só vai se acalmar quando aposentados receberem menos de um salário mínimo

2024-12-23

Autor: Gabriel

Após a aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso Nacional na última sexta-feira (20), a corretora XP divulgou uma análise crítica sobre o que chamou de "tímido pacote de mudanças" que não aborda questões cruciais do Orçamento Federal, como a indexação dos benefícios.

Para entender o que é essa "indexação dos benefícios”, precisamos destacar que aposentados, trabalhadores afastados por doença ou acidente, idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema pobreza, que têm direito ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), não podem receber menos de um salário mínimo por mês.

Atualmente, dos 40,6 milhões de benefícios pagos mensalmente pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), cerca de 28 milhões correspondem a um salário mínimo. Isso significa que sete em cada dez brasileiros que recebem recursos previdenciários ou assistenciais durante 2024 veem um valor de R$ 1.412 caindo em suas contas mensalmente.

Entretanto, para o mercado, "cortar na carne" não significa apenas reduzir o ganho real do salário mínimo, como proposto pelo governo federal, que foi aprovado pelo Congresso. Tampouco implica limitar o reajuste à inflação do ano anterior, como defendem economistas renomados.

Na verdade, a verdadeira "medida estruturante" para enfrentar a "dominância fiscal", segundo muitos players do mercado financeiro, é permitir que os aposentados recebam menos que o salário mínimo.

A ideia de "desindexação" não é nova e já foi uma bandeira de Paulo Guedes, ex-ministro da Economia do governo Bolsonaro, com sua política conhecida como "DDD" (desvincular, desindexar e desobrigar). Essa proposta, no entanto, não conseguiu se consolidadar.

É um fato que a população brasileira está envelhecendo e os gastos com Previdência somam uma fatia crescente do orçamento. Em um futuro próximo, pode não haver alternativa a não ser mexer na indexação, mas antes de alterar essa fórmula, é razoável discutir uma repartição mais equitativa da carga fiscal.

Infelizmente, nosso sistema tributário é escandalosamente regressivo, pesado sobre os mais pobres e generoso para os mais ricos. Rebaixar as aposentadorias de quem já mal sobrevive com um salário mínimo é visto como um "remédio amargo" pela elite do mercado, enquanto tributar pessoas de alta renda é rotulado de "populismo fiscal".

O governo tentou iniciar esse debate ao sugerir a implementação de uma tributação mínima de 10% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, para compensar a isenção de Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5 mil — uma das promessas de campanha de Lula. No entanto, a proposta se mostrou pouco convincente devido ao erro no momento e na forma como foi apresentada.

A aceleração do dólar e dos juros indicam a falta de habilidade política da liderança do governo. Convencer a sociedade, especialmente os mais ricos, sobre a necessidade de pagar mais impostos para sustentar o pacto social estabelecido pela Constituição de 1988 será a grande discussão na próxima fase da reforma tributária.

Garantir um salário mínimo a todos os beneficiários do INSS é um compromisso com um projeto civilizatório, enquanto a valorização do salário mínimo teve um papel vital na retirada de milhões de famílias da pobreza e na movimentação do mercado interno.

Porém, estudos indicam que a manutenção dessa despesa pode se tornar insustentável no futuro próximo, demandando uma revisão urgente. A verdadeira questão deve ser priorizar a cobrança de tributos dos mais ricos, ao invés de impor mais dificuldades a quem já vive na extrema vulnerabilidade.