Ciência

Por que não lembramos dos primeiros anos de vida, mesmo formando memórias?

2025-03-23

Autor: Carolina

"Sempre fui fascinado por este misterioso vazio na nossa história pessoal", declarou Nick Turk-Browne, professor de psicologia em Yale e principal autor de um estudo intrigante sobre a memória infantil.

Na faixa etária de um ano, as crianças se tornam aprendizes extraordinários, pois começam a adquirir linguagem, a andar, a reconhecer objetos e a entender os vínculos sociais. Contudo, esse impressionante desenvolvimento não é acompanhado por lembranças dessas experiências. A lógica disso é intrigante: existe um desajuste entre a notável plasticidade cerebral e a capacidade de aprendizado e lembrança.

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, inicialmente propôs que as memórias de infância eram reprimidas, mas a ciência moderna descartou em grande parte essa teoria de supressão ativa. Hoje, as pesquisas se concentram em uma região específica do cérebro: o hipocampo, essencial para a formação de memórias episódicas, que ainda não está totalmente desenvolvido na infância.

Turk-Browne foi intrigado pelas descobertas de estudos comportamentais que indicam que, embora os bebês não possam comunicar verbalmente suas memórias antes de falarem, eles demonstram uma tendência a fixar o olhar em objetos familiares por mais tempo. Isso sugere que a memória já está em formação, mesmo que de maneira inacessível.

Estudos recentes em roedores mostraram que engramas, ou padrões de células que armazenam memórias, se formam no hipocampo infantil, mas se tornam inacessíveis com o passar do tempo. Curiosamente, esses engramas podem ser reativados artificialmente através de uma técnica que utiliza luz para estimular os neurônios.

No entanto, investigar a combinação de observações de crianças pequenas com imagens cerebrais tem se mostrado um desafio, pois os bebês são notoriamente difíceis de manter em uma máquina de ressonância magnética funcional (fMRI).

Para contornar esse obstáculo, a equipe de Turk-Browne inovou, utilizando chupetas, cobertores e brinquedos aconchegantes para acalmar os bebês e padrões psicodélicos de fundo para prender sua atenção. Apesar de algumas imagens saírem borradas devido aos movimentos inevitáveis, a equipe realizou várias sessões até obter dados confiáveis.

Participaram da experiência 26 bebês, com metade tendo menos de um ano e a outra metade, mais. Durante um exercício de memoria adaptado, os bebês viam imagens de rostos, cenas e objetos. Após serem apresentadas novas imagens, exibiu-se uma imagem que eles já tinham visto anteriormente. O tempo que passavam olhando a imagem familiar era uma medida direta de suas memórias.

A análise da atividade cerebral durante o processo de formação bem-sucedida de memórias revelou que o hipocampo estava ativamente envolvido na codificação desde a tenra idade. No entanto, essa atividade foi observada apenas em 11 dos 13 bebês com mais de um ano, não nos menores.

Os pesquisadores também notaram que os bebês que lograram melhor desempenho nas tarefas de memória mostraram um maior nível de atividade no hipocampo. Como Turk-Browne concluiu, "podemos afirmar com precisão que os bebês têm a capacidade de codificar memórias episódicas no hipocampo a partir de aproximadamente um ano de idade."

Porém, a questão crucial permanece: o que acontece com essas memórias formadas? Elas podem nunca se consolidarem de forma duradoura ou, quem sabe, se tornarem inacessíveis com o tempo. Turk-Browne tende a acreditar na segunda hipótese e lidera agora um novo estudo que examina se bebês e crianças pequenas conseguem reconhecer vídeos gravados de suas próprias perspectivas quando eram bebês. O desvendamento desse mistério pode revolucionar nossa compreensão da memória humana e do desenvolvimento infantil.

A fascinante busca por respostas acerca de como e por que esquecemos os primeiros anos de vida continua, prometendo revelações surpreendentes sobre a mente em desenvolvimento.