Ciência

Refúgio Climático: A Verdadeira Solução ou Apenas um Paliativo para o Calor Insuportável?

2025-03-24

Autor: Fernanda

Contexto e Iniciativas em Belo Horizonte

Na capital mineira, por exemplo, uma das principais iniciativas visa oferecer água potável gratuita à população em trânsito, especialmente durante as intensas ondas de calor que assolaram a região. Em 14 de março, Belo Horizonte atingiu 34,6ºC, a maior temperatura do ano, segundo a Defesa Civil local. Maria Consuelita Oliveira, diretora de Qualidade Ambiental da prefeitura, ressalta que esse projeto também incentiva o plantio e a manutenção de árvores urbanas.

Além de aliviar o calor, essas ações trazem diversas vantagens: "Essas estruturas melhoram a subsistência das árvores e favorecem a biodiversidade urbana. Elas também diminuem o escoamento superficial da chuva, aliviando o sistema de drenagem, e proporcionam áreas de lazer, além de contribuir para a estética das cidades. As árvores são fundamentais para a purificação do ar, absorvendo poluentes e gases carbônicos."

Mesmo com meses de funcionamento, o departamento de Qualidade Ambiental ainda não possui dados concretos sobre quantos cidadãos foram beneficiados ou como a iniciativa tem impacto na população em dias quentes. "Estudos estão em andamento para avaliar os efeitos positivos, mas já sabemos que havia uma demanda por água gratuita, e os bebedouros estão sendo amplamente utilizados", afirma Oliveira.

Como Funcionam os Refúgios Climáticos

Os refúgios climáticos podem desempenhar papéis variados, conforme as necessidades de cada local. Existem estruturas que atendem a enchentes, como parques inundáveis e reservatórios para captar águas pluviais, e aqueles projetados para combater ondas de calor, tempestades e secas.

"Podem ser áreas arborizadas ou refrigeradas que ajudam a reduzir as temperaturas, além de edifícios resistentes a ventos e inundações, frequentemente subterrâneos ou cercados por barreiras naturais ou artificiais. Nos Estados Unidos, muitas casas têm porões para refugiar moradores durante furacões", explica a especialista Loyde Vieira.

Ela destaca a diferença entre refúgios climáticos, que são estruturas emergenciais, e os chamados oásis urbanos, que são áreas verdes planejadas para mitigar o calor e melhorar a qualidade do ambiente urbano. Em diversas cidades brasileiras, essas funções se entrelaçam. "Em alguns lugares, essas áreas atuam simultaneamente na drenagem e no resfriamento, como nascentes de água preservadas", complementa.

Um exemplo notável é São Paulo, onde bairros como o Morumbi, uma região de alta renda, possuem áreas para retenção de águas pluviais, enquanto Paraisópolis, uma comunidade na periferia, enfrenta temperaturas até 12ºC mais altas e é mais vulnerável a enchentes e deslizamentos.

Lara Furtado, professora de Ciências da Cidade na Universidade de Fortaleza, ressalta que esses refúgios têm como objetivo proporcionar conforto térmico imediato: "Incluem arborização para sombra, sistemas de climatização, pisos permeáveis para absorção da água da chuva, além de bebedouros e nebulizadores para refrescar o ambiente."

Além de atenuar os efeitos das temperaturas extremas, essas áreas desempenham um papel social crucial, promovendo a convivência comunitária. "Ambientes bem planejados não apenas oferecem proteção, mas também impactam a qualidade de vida e a saúde pública", afirma Furtado.

Desafios na Implementação

A implementação de refúgios climáticos no Brasil enfrenta uma série de desafios econômicos, estruturais, políticos e sociais, de acordo com especialistas consultados. Essas barreiras tornam mais complexa a adaptação das cidades brasileiras a modelos de resiliência.

Os altos custos iniciais de construção de abrigos seguros, sistemas de drenagem e espaços verdes limitam a viabilidade desses projetos em municípios com orçamentos restritos. A manutenção contínua também exige recursos que muitas vezes estão indisponíveis, comprometendo a sustentabilidade a longo prazo. "O planejamento inadequado pode resultar em estruturas subutilizadas ou ineficientes", completa Vieira.

Em termos estruturais, a falta de terrenos apropriados em áreas urbanas densamente povoadas, como São Paulo e Rio de Janeiro, constitui outro obstáculo. A escassez de espaços para a criação de refúgios climáticos inviabiliza o planejamento dessas soluções. A integração eficaz de sistemas de drenagem e resfriamento exige um planejamento urbano meticuloso, que nem sempre é adotado.

Politicamente, a descontinuidade de projetos com as mudanças de governo é uma realidade preocupante. A implementação de soluções duradouras contra as mudanças climáticas pede continuidade nas políticas públicas, algo difícil de garantir sem um compromisso de longo prazo.

A falta de coordenação entre os diferentes níveis de governo, além de entraves administrativos, torna ainda mais desafiadora a criação de refúgios climáticos. "Iniciativas isoladas podem ser benéficas, mas precisam estar interligadas a uma gestão participativa para tornarem as cidades mais resilientes", acrescenta Antoniel Fernandes, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Outro desafio é a resistência social, especialmente em áreas vulneráveis. Muitas vezes, as prioridades dessas comunidades estão centradas em necessidades básicas como habitação e segurança. O engajamento da comunidade no planejamento e implementação é essencial, mas frequentemente negligenciado, resultando em soluções que não atendem às reais necessidades locais.

Por fim, a justiça climática surge como um desafio adicional. Refúgios climáticos devem ser projetados para beneficiar prioritariamente as populações mais vulneráveis, mas muitas vezes esses grupos são excluídos dos projetos.

Soluções Emergenciais para as Cidades

Com o aumento dos eventos climáticos extremos e a lentidão na adaptação das cidades, medidas emergenciais se tornam essenciais para reduzir impactos e proteger a população. Nesse contexto, a Defesa Civil desempenha um papel fundamental, atuando em níveis federal, estadual e municipal para oferecer suporte em situações de emergência.

Recentemente, uma das iniciativas implementadas é o envio de alertas sonoros para celulares em áreas de risco. Em Belo Horizonte, esses avisos informam sobre chuvas intensas e ondas de calor, permitindo que os moradores tomem precauções. "Isso é crucial para que a população se prepare e evite situações perigosas", ressalta Fernandes. Além disso, a cidade tem planos para fechar vias em caso de enchentes e monitoramento contínuo para minimizar danos.

Outra abordagem inclui soluções baseadas na natureza (SbN), que buscam simultaneamente atender a metas ambientais, sociais e econômicas. Furtado menciona a arborização urbana, telhados verdes e jardins de chuva como formas eficazes de mitigar impactos climáticos: "Essas medidas criam microclimas mais frescos, aumentam a absorção de água e melhoram a drenagem urbana." Cidades como Barcelona e Paris têm adotado projetos inovadores, criando abrigos climáticos em bibliotecas e escolas que oferecem sombra e acesso a água potável.

A integração da infraestrutura urbana com soluções ambientais é crucial. Fernandes enfatiza que a urbanização deve considerar a preservação de áreas verdes e corpos d'água, evitando a canalização excessiva dos rios: "Devemos integrar os cursos d'água à cidade, em vez de escondê-los sob asfalto."