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SÍRIA: Descubra quem ganha e quem perde com a queda de Assad

2024-12-08

Autor: Maria

A surpreendente queda da ditadura de Bashar al-Assad confirma a previsão do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, de que a guerra iniciada em 7 de Outubro reestrutura o Oriente Médio de maneira profunda.

Nem mesmo os mais otimistas opositores sírios poderiam ter previsto uma derrota tão rápida, que remete à fragilidade do governo afegão, que após duas décadas de ocupação americana, desmoronou em um piscar de olhos diante do Talibã em 2021.

A situação para o mundo é complicada: a colcha de retalhos da oposição síria permanece dividida, e a Turquia, que emergiu como um dos grandes vencedores nessa fase da crise, terá o desafio de convencer o mundo de que a organização responsável pela derrubada do regime sanguinário de Assad, classificada como terrorista até mesmo pela complacente ONU, é uma alternativa viável.

Embora a HTS (Organização para a Libertação do Levante) não seja o Estado Islâmico (EI), é importante lembrar que sua origem se encontra nas raízes da rede Al Qaeda. A postura de moderação atribuída por seu líder em entrevistas não é percebida nas ruas de Idlib, região sob seu controle nos últimos anos.

A própria estrutura da HTS é fragmentada, com cinco milícias principais e várias secundárias. Além disso, a Síria permanece dividida com diferentes interesses: os grupos aliados aos EUA no nordeste, os seculares apoiados por Ancara, o próprio EI e os remanescentes alauitas do regime de Assad.

Assim como ocorreu em Cabul há três anos, a potência que determinará a presença da organização é a Rússia de Vladimir Putin, que, focada na Ucrânia, tornou impossível salvar Assad mais uma vez.

A esse constrangimento, soma-se outra questão importante: os russos detêm ativos militares significativos na Síria, com 21 bases militares e 81 postos avançados, incluindo um centro vital de projeção de poder aéreo e o porto de Tartus. Isso garantiu a Moscou um ponto estratégico de projeção no lado leste da OTAN, a aliança militar ocidental.

É razoável supor que os esforços dos russos para ajudar Assad tenham sido precedidos de acordos com os turcos sobre esses ativos, já que a região de Latakia, onde as forças russas estão concentradas, não foi alvo de ataques durante a ofensiva.

A questão da divisão territorial da Síria pode surgir, inspirada na autonomia curda, mas com o histórico de violência dos aliados de Assad, Putin pode ser forçado a uma retirada humilhante, semelhante à que Joe Biden enfrentou no Afeganistão.

Quem se beneficia dessa situação é Donald Trump, que observa rivais se complicando e que poderá retirar sem grandes dificuldades cerca de 800 soldados americanos na Síria, que estão lá, em tese, para combater o EI. O desengajamento é uma característica marcante de sua administração, e o mais difícil já foi realizado, exceto se novos ataques terroristas por grupos ligados à HTS começarem a acontecer.

Este cenário é, aliás, um ponto crucial para Israel: um inimigo previsível como Assad pode ser muito mais favorável para Tel Aviv do que um amálgama incontrolável de jihadistas na sua fronteira.

Entretanto, o maior perdedor nesse novo desenrolar é o Irã, que perde mais um elo do seu autoproclamado Eixo da Resistência contra Israel e os EUA. Após a devastação do Hamas e a virtual aniquilação do Hezbollah no Líbano, Teerã se vê seccionada em sua ligação terrestre com os parceiros ao redor do Estado judeu.

Internamente fragilizada e sob constante troca de bombardeios com Israel, a teocracia iraniana se vê encurralada. O futuro de suas 52 bases no antigo território de Assad se torna incerto.

A Turquia, por outro lado, colhe uma vitória significativa na Síria, o que pode descontentar israelenses, iranianos e turcos, além de complicar a situação dos curdos que lutam por autonomia em sua própria terra e na Síria.

Os Estados do Golfo Pérsico também podem passar a desconfiar, não desejando ver os rivais do Irã se tornarem a potência dominante no norte da região, temendo a volta simbólica do Império Otomano. Isso pode impactar negativamente o processo de normalização das relações desses países com Israel, especialmente a Arábia Saudita.

Entretanto, essa vitória pode ser uma vitória de Pirro para o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, pois a responsabilidade de estabilizar a nova Síria recai sobre ele. O exemplo da Líbia serve como um alerta: a guerra civil iniciada em 2011 naquele país árabe pode estar longe do fim.